15.7.05

Estranho Lugar

Estranho Lugar (nov-2004)

No mais confuso espaço, quase opaco por inteiro, apenas uma fugaz luz um tanto ofuscada tentava iluminar a área que graças à bizarra geometria do lugar se repetia infinitamente dando a impressão de ser muitas luzes. O aspecto era fantasmagórico. Havia espaços esbranquecidos e acinzentados, nos mais variados tons e nos mais variados volumes. Quanto mais branco a área mais quente era. À medida que avançava percebi o quanto era difícil, na verdade impossível (pelo menos pra mim), caminhar em linha reta. Era preciso caminhar seguindo a geometria torta do lugar por meio de tombos. Com apenas um tombo era possível percorrer uma distância equivalente a 5 passos pelo menos. Depois de acostumado com este tipo de locomoção, conseguia tombar uns 15 ou 20 passos de uma só vez. Com dificuldade, ainda me acostumando com o mal-estar que estes saltos toscos me provocavam, consegui me aproximar de um dos pontos luminosos refletidos para ver de perto sua origem. Porém, à medida que eu me aproximava do lugar, uma massa esbranquecida de luz que envolvia o local e parecia fixada para sempre no tempo, estática, começava a queimar meu corpo de dentro pra fora com tamanha violência que em rápidos momentos eu saía de mim mesmo e conseguia ver as arestas. Tombei imediatamente para baixo, onde havia uma área menos ofuscante, mas não o suficientemente cinza para diminuir consideravelmente esta dor. Procurei pelos lugares mais escuros e pelas ausências dinâmicas, mas não conseguia ver direito. Foi enlouquecedor, pois queimava não só o corpo, mas também a mente e a alma. E foi nesse desespero, nessa queimação contínua e insuportável que minha mente atingiu o ponto de ebulição e começou a deteriorar-se. Fui perdendo a memória. Primeiro, foram os momentos felizes e infelizes de minha vida, depois, as lembranças periféricas e por último, todos os momentos indiferentes. Eu começava a deixar de existir. Não compreendia, não conseguia entender este fim. Gritei. Supliquei por perdão e outras coisas sem sentido. Xinguei. Mas não havia ninguém pra me ouvir. Chorei. E quando chegava a hora de me virar pelo avesso, vi um pequeno espaço negro, sem luz alguma atravessando seu instante, numa área graciosamente assimétrica que permitia essa singularidade. Era minha última chance. Com muito esforço, consegui tombar pros dois lados ao mesmo tempo, atravessando grandes espaços cinzas até atingir o volume completamente escuro. O alívio veio de imediato embora tenha durado poucos segundos. Ao invés de calor, comecei então a queimar de frio. Os fragmentos agora vinham pela falta e não pelo excesso. Encolhi-me, abracei-me. Alimentei-me do que sobrou de mim mesmo na tentativa vã de evitar uma completa inanição. Enxergava apenas a escuridão. Embora tudo estivesse negro, sabia que todos os tons de cinza, os brancos e os pontos de luz que se repetiam ainda estavam ali perto. Não conseguia mais me mover. Pernas e braços não respondiam. As lágrimas que escorriam se cristalizavam antes mesmo de tocarem meus lábios. Então perdi os sentidos. E depois minha identidade, ou o que restava dela. Da memória só restaram cacos e entulhos, peças incompletas e desordenadas que após muito tempo consegui juntá-las para formar algumas lembranças presentes, as mais recentes aos quais acabei de relatar, e desde sempre as venho repetindo e repetindo continuamente como um mantra, na tentativa de manter-me aquecido.