17.2.06

Ele estava exausto, cuspido, desprezado, ressacado, enjoado, vomitando a imundice graciosa que embebeda a vida e que agora lhe fazia doer a cabeça e contorcer-lhe as tripas. Era o fedor que impregnava o ambiente que ocupara nos últimos 10 anos. O cheiro da humanidade, da imundice, da humandice. O cheiro da vida crua.

Dessa vez exagerei na dose, deve ter pensado. Virou-se pra garota que acabara de amar e disse: vou sumir por um tempo.

Ele sumiu.
Alguns sentiram sua falta, mas não muita.

Testemunhar eventos extraordinários é uma dádiva para poucos. Geralmente a pessoa que presencia um evento singular sente-se feliz por estar, de certa forma, íntima do absurdo; próxima de uma força maior incompreensível e provocadora que escancara, apenas para ela, como um outdoor: existe algo mais!.

A garota sentiu-se feliz por testemunhar um autêntico sumiço. Foi um satori, um golpe na cabeça que a fez acordar. Ao vê-lo sumir na sua frente conforme sua vontade, vislumbrou o tamanho de sua ignorância e insignificância perante o absurdo. Testemunhou algo grandioso, infinitamente maior que ela; e esse sentimento de cumplicidade, de compartilhar com a existência uma experiência que está fora de sua razão, lhe libertou. Voltou-se para os demais que estavam alheios e despediu-se com leve sorriso. Ali não havia mais nada pra ela.

Com o peito fervilhando de emoção, ele se deliciava com os prazeres das coisas boas e más; lambuzava-se de crueldade e em seguida chorava as dores dos outros lhes afagando as carnes. Morria e ressuscitava infinitas vezes no ciclo insaciável do desejo. Apesar de ter dado um basta e decidido sumir, admitiu ser por um tempo. Ele, mais que ninguém, conhece a força de seu vício e não pretende desafiá-lo; tem consciência de sua prisão.

A maioria dos que ficaram, continuaram no frenesi de intermináveis orgias que ocupavam suas vidas exuberantes. Morreram felizes e vomitando.